Vi esse texto no Screamyell falando do show do Rio e achei muito bacana.
Copiei e colei aqui:
Atenção, amigos: esse é um texto não tão jornalístico sobre o show do Pearl Jam na Praça da Apoteose. Aliás, nem é só sobre o show, talvez eu coloque pra fora alguns sentimentos que estão pedindo por expressão desde que vi o documentário “PJ-20”, sobre os vinte anos de carreira da banda. Sendo assim, você que não é fã de Vedder e cia, por favor, filtre as informações jornalísticas (elas estão aqui em algum lugar), dê o desconto porque esse é um texto de uma pessoa comum, que vai a shows e não está preocupada em ser pragmática. Aviso dado, vamos lá.
Eu devo ter ouvido Pearl Jam pela primeira vez no início de 1992, um pouco atrasado em relação ao lançamento do primeiro disco deles, “Ten”, em 1991. Foi uma audição, digamos, involuntária, uma vez que eu tinha uma namorada que morava na Tijuca, bairro da Zona Norte do Rio. Costumávamos namorar num playground e havia alguém naquele prédio que gostava de Nirvana, Alice In Chains e Pearl Jam. O som se propagava pelo playground, a ponto de eu me dar conta de que estava um pouco por fora. Havia lido na Bizz algumas resenhas de discos dessas bandas, todas elogiosas, mas eu experimentava um momento de descoberta de clássicos. Ouvia muito Van Morrison, soul music, Marvin Gaye, essas coisas. O tal vizinho me chamou atenção para o som que era feito em Seattle e eu fui investigar.
Na filial das Lojas Americanas dali da Tijuca mesmo, comprei “Nevermind” e “Ten”, de uma tacada e fui ouví-los com atenção. Eu não havia passado por aquela “adolescência metaleira” que todo mundo experimenta, aquela fase em que se ouve Anthrax, Pantera, Slayer, enfim, tampouco era fã de alguma banda como Black Sabbath. Lembrem que Ozzy ainda não havia se transformado num palhação pela MTV, portanto, não havia essa afinidade que todos parecem ter hoje em dia com a vida do cara. Metal pra mim era uma lembrança distante da oitava série, quando me arrisquei a ouvir Iron Maiden, sem muito sucesso. Desse jeito, Nirvana e Pearl Jam eram pesadinhos para mim, assim como o disco preto do Metallica, que dava as caras na mesma época.
Eu gostei mais de “Ten” que de “Nevermind”. Demorei alguns anos pra entender totalmente e apreciar qualquer coisa que tenha um DNA punk e o segundo disco do Nirvana é um disco punk acima de qualquer outra coisa. O “Ten” já era algo mais voltado para uma linhagem clássica do rock setentista, algo que era muito norte-americano e tradicional, sei lá, como se um monte de bandas se juntassem e saísse o disco como resultado desse mix de coisas. De Aerosmith e Crazy Horse, passando por MC5 e Doors e chegando na Inglaterra de Stones e companhia. Estava tudo ali, de alguma forma.
Canções como “Alive”, “Jeremy”, “Black” e “Why Go” vieram logo para grudar na mente e a audição de Van Morrison e soul music foi devidamente arquivada. Peguei os outros dois discos do Nirvana (“Bleach” e a coletânea “Incesticide)”, além de “Facelift” do Alice In Chains, a trilha de “Singles - Vida de Solteiro”, filme de Cameron Crowe sobre casais em Seattle na época do nascimento do grunge e explorei nomes da cena como Soundgarden, Mudhoney e Screaming Trees, cujo disco “Sweet Oblivion”, era lançado por aqui na esteira da onda flaneleira. Devidamente informado, sintonizado na MTV e atento ao que era escrito sobre essas bandas, fiz assim minha adesão ao som que estava “na onda” em pleno 1992.
O tempo passou, Cobain estourou seus miolos, a década de 90 se foi, mas nunca perdi o Pearl Jam de vista. Tive momentos de saber letras de discos inteiros, como o “Vitalogy” (1994) ou o “No Code” (1996) e achar muito legal a batalha que a banda comprou contra a Ticketmaster, reclamando dos preços altíssimos dos ingressos e levantando a possibilidade de enquadrar a empresa nas leis anti-truste americanas por monopólio da venda dos bilhetes. Também presenciei uma acomodação do Pearl Jam em termos de criatividade e relevância. Suspeito que tenha a ver com a tragédia do Festival dinamarquês de Roskilde, em 2000/01, quando pessoas morreram pisoteadas enquanto a banda se apresentava, na época, divulgando seu sexto disco de estúdio e último realmente interessante, “Binaural”. Stone Gossard diz em “PJ 20” que eles nunca mais foram os mesmos depois daquilo e que nunca seriam capazes de superar essa tragédia.
O documentário me fez pensar em mim mesmo à medida que as imagens da banda avançavam pela cronologia dos anos. Relembrei das audições, da maneira como costumávamos nos informar sobre música antes da internet (como disse Jeff Ament, o baixista da banda, sobre ler revistas de música numa cidade no meio do nada: “nós estudávamos essas coisas!”) e em como era prazeroso comprar um disco, trazê-lo pra casa, fechar a porta do quarto e devorá-lo. Claro, também dá saudade de quanto tínhamos mais tempo livre e menos responsabilidade em nossas mãos para podermos fazer isso. Cameron Crowe, o mesmo diretor de “Singles” e tantos outros filmes pop rock, como “Jerry Maguire” e “Quase Famosos”, conduz “PJ 20” com olhos de fã e admirador da banda, e é, provavelmente, um caso de jornalista que não age como jornalista, ao contar a história dos caras. Nem poderia. Nem posso.
O show de 6 de novembro de 2011, não foi melhor ou pior que a apresentação de 4 de dezembro de 2005. Foi diferente. Como minha relação com a banda é emocional, me permito analisar algumas coisas sob este ponto de vista. Minha vida é muito melhor hoje que há seis anos, em todos os aspectos. Ver o show ao lado da minha família, apresentar para minha esposa algumas das músicas que conheci há vinte anos, poder dar a ela a chance de me ver nessa época. É como um túnel iluminado do tempo. Ver as pessoas se abraçando e bradando as músicas é como perceber que o rock acompanha a vida de muita gente, por mais clichê ou mesmo preconceituoso que isso possa parecer.
Eu venho de um tempo em que a gente só ouvia rock até um determinado ponto. Não havia o sambinha indie, a MPB indie, o jazz indie. A gente ouvia rock, trilhas de novela, discos da mãe e do pai, rádio FM. Nada de webradios e streamings por aí. E mais: o que pode parecer uma idade média em termos de pluralidade hoje nem era notado por nós na época. O rock era suficiente. O soul e o funk eram ainda coadjuvantes e a MPB era a chamada quarta força do campeonato, no meu caso, dada a influência dos discos de Caetano, Gil, Milton, Gal, Chico e Bethânia, além de Roberto Carlos, trazidos por minha mãe e meus avós. Desse jeito, eu venho de um tempo não plural em termos de música, muito obrigado.
E o show? Foi praticamente perfeito. O quarteto fantástico de “Ten” foi todo executado, a saber, “Jeremy”, “Even Flow”, “Black” e “Alive”, com a presença luxuosa de “Why Go”. Poucas vezes a banda revisita todas essas canções em um mesmo show. Teve “Daughter”, “Nothingman”, “Given To Fly”, “Corduroy”, “Faithfull”, “State Of Love And Trust”, “Do The Evolution”, a raríssima “Immortality” e covers maravilhosas, como “Rockin’ In The Free World” (Neil Young), “I Believe In Miracles” (Ramones) e um souvenir para a vida: a primeira execução em show de “Mother”, cover do Pink Floyd safra “The Wall” (só apresentada anteriormente no programa de Jimmy Fallon). Eu comentava antes do show que seria maravilhoso ouvir “Sittin’ On The Docks Of The Bay” (Otis Redding) ou “Harvest Moon” (Neil Young), covers já mostradas pela banda ao longo dos tempos, mas ver minha esposa – fã de carteirinha do Floyd – se esgoelando, fazendo air guitar e abraçando seu filho e dizendo: “essa letra é muito verdadeira, meu menino” não tem preço e não pode ser entendido como uma mera reportagem, no sentido estrito do termo.
Dane-se se o som estava embolado para quem via de arquibancada. Dane-se se as pessoas deixam pra chegar ao lugar do show atrasadas, dane-se se o vento teima em trazer todas as fumaças de cigarro em cima de você: ver um show do Pearl Jam, no meu caso, é abrir uma janela para outro tempo, não melhor, mas bom de olhar e revisitar. Ao que parece, a banda sente o mesmo e não demonstra qualquer sinal de enfado ou cansaço diante do seu repertório. Parecem olhar pra eles mesmos, da mesma forma que eu e, certamente, um monte de gente. O melhor show que eu poderia querer ver nesse ano, o primeiro sem minha mãe por perto para me perguntar: “e então, meu filho? Foi bom?”. Valeu, Pearl Jam.
Perfect!
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